Wednesday, July 25, 2007

Métro, boulot, dodo


imagem: Antoine+Manuel news - gallery
RATP (Parisian Metro), Carte Intégrale, 2005


"Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade"

Clarice Lispector, A Paixão segundo GH

Monday, July 23, 2007


45.

Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento das ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da individualidade que consiste em não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos mundos como uma poeira de flores, que um vento incógnito ergue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas maiores. Ser isto com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconhecido ao sol do seu brilho e às estrelas do seu afastamento. Não ser mais, não ter mais, não querer mais... A música do faminto, a canção do cego, a relíquia do viandante incógnito, as passadas no deserto do camelo vazio sem destino...

Fernando Pessoa, livro do desassossego

Wednesday, May 23, 2007


41.
Abandonar todos os deveres, ainda os que nos não exigem, repudiar todos os
lares, ainda os que não foram nossos, viver do impreciso e do vestígio, entre
grandes púrpuras de loucura, e rendas falsas de majestades sonhadas... Ser
qualquer coisa que não sinta o pesar de chuva externa, nem a mágoa da vacuidade íntima... Errar sem alma nem pensamento, sensação sem si-mesma, por estrada contornando montanhas, por vales sumidos entre encostas íngremes, longínquo, imerso e fatal...
Perder-se entre paisagens como quadros. Não-ser a longe e cores...

Livro do desassossego - Fernando Pessoa